O papa Francisco presidiu, no dia 12 de
dezembro, uma celebração em honra a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da
América Latina. O arcebispo de Aparecida e presidente da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno Assis, concelebrou com
o pontífice na Basílica de São Pedro, juntamente com outros bispos e cardeais.
Em sua homilia, o papa afirmou que a América
Latina é o continente da esperança. “Porque para ela esperam-se novos
modelos de desenvolvimento que conjuguem tradição cristã e progresso civil,
justiça e igualdade com reconciliação, desenvolvimento científico e tecnológico
com sabedoria humana”, disse Francisco.
Durante entrevista à Rádio Vaticano, dom Damasceno expressou
agradecimento ao papa pelo convite. “Me honra muito, e também a nossa
Conferência Episcopal do Brasil, esse convite em concelebrar com o papa.
Francisco é o primeiro papa latino-americano que presidiu de uma maneira mais
solene essa celebração de Nossa Senhora de Guadalupe”, disse o cardeal.
Ainda, durante a missa, o papa Francisco
confiou a intercessão de Nossa Senhora de Guadalupe bênçãos “para a
evangelização de seus povos, para o crescimento em humanidade e para a
construção de condições de paz, justiça e unidade entre suas nações irmãs”.
Celebrada em espanhol, a missa foi acompanhada
por instrumentos típicos do folclore latino-americano e cantos da missa criola,
composta por Ariel Ramirez.
Confira a íntegra da homilia:
"Que os povos vos louvem, ó Deus,
Tenha Deus piedade de nós e nos abençoe, faça resplandecer sobre
nós a luz da sua face,
para que se conheçam na terra os seus caminhos e em todas as
nações a sua salvação.
Que os povos vos louvem, ó Deus, que todos os povos vos
glorifiquem.
Alegrem-se e exultem as nações, porquanto com equidade regeis os
povos e dirigis as nações sobre a terra.
(Salmo 66)
A oração do salmista, de súplica, de perdão e de benção dos povos
e das nações e, ao mesmo tempo, de alegria e louvor, expressa o sentido
espiritual desta celebração Eucarística. São os povos e as nações de nossa
Grande Pátria latino-americana que hoje comemoram com gratidão e alegria a festividade
de sua “padroeira”, Nossa Senhora de Guadalupe, cuja devoção se estende do
Alasca até a Patagônia. E com o Arcanjo Gabriel e Santa Isabel, até nós,
eleva-se a nossa prece filial: “Ave Maria, cheia de Graça, o Senhor é contigo…”
(Lc 1,28).
Nesta festividade de Nossa Senhora de Guadalupe, faremos grata
memória de sua visita e materna companhia; cantaremos com Ela o seu
“magnificat”; e lhe confiaremos a vida de nossos povos e a missão continental
da Igreja.
Quando apareceu a San Juan Diego em Tepeyac, apresentou-se como a
“perfeita sempre Virgem Santa Maria, Mãe do verdadeiro Deus” (Nican Mopohua); e
deu lugar a uma nova visita. Correu premurosa para abraçar também os novos
povos americanos, numa dramática gestação. Foi como “ um grande sinal no céu: uma
mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de
doze estrelas” (Ap 12,1), que assumiu para si a simbologia cultural e religiosa
dos indígenas, anuncia e doa seu Filho aos novos povos de sofrida mestiçagem.
Muitos pularam de alegria e esperança diante de sua visita e
diante do dom de seu Filho e a mais perfeita discípula do Senhor se tornou “a
grande missionária que levou o Evangelho à nossa América” (Aparecida, 269). O
Filho de Maria Santíssima, Imaculada grávida, se revela assim desde as origens
da história dos novos povos como “o verdadeiro Deus, graças ao qual se vive”,
boa nova da dignidade filial de todos os seus habitantes. Já ninguém mais é
servo, mas todos somos filhos de um mesmo Pai e irmãos entre nós.
A Santa Mãe de Deus não apenas visitou estes povos, mas quis
permanecer com eles. Deixou impressa misteriosamente a sua imagem sagrada no
“manto” de seu mensageiro para que nos recordássemos sempre, tornando-se assim
símbolo da aliança de Maria com estes povos, a quem se confere alma e ternura.
Por sua intercessão, a fé cristã começou a ser o mais rico tesouro
da alma dos povos americanos, cuja pérola preciosa é Jesus Cristo: um
patrimônio que se transmite e se manifesta até hoje no batismo de uma multidão
de pessoas na fé, na esperança e na caridade de muitos, na preciosidade da
piedade popular e também no ‘ethos’ dos povos, visível na consciência da
dignidade da pessoa humana, na paixão pela justiça, na solidariedade com os
mais pobres e sofredores, na esperança, por vezes contra toda esperança.
Por isso nós, hoje, podemos continuar a louvar Deus pelas
maravilhas que atuou na vida dos povos latino-americanos. Deus escondeu estas
coisas aos sábios e entendidos e as revelou aos pequenos e simples de coração”
(cf. Mt 11,21). Nas maravilhas que o Senhor realizou em Maria, Ela reconhece o
estilo e o modo de agir de Seu Filho na história da salvação. Superando os
juízos mundanos, destruindo os ídolos do poder, da riqueza, do sucesso a todo
custo, denunciando a autossuficiência, a soberba e os messianismos
secularizados que afastam de Deus, o cântico mariano confessa que Deus se
compraz em subverter as ideologias e as hierarquias mundanas. Enaltece os
humildes, auxilia os pobres e os pequeninos, sacia com bens, bênçãos e esperanças
os que confiam em sua misericórdia de geração em geração, enquanto abate os
ricos, os poderosos e os dominadores de seus tronos.
O “Magnificat” nos introduz nas Bem-aventuranças, síntese
primordial da mensagem evangélica. À sua luz, nos sentimos impulsionados a
pedir que o futuro da América Latina seja forjado pelos pobres e por aqueles
que sofrem, pelos humildes, por aqueles que têm fome de justiça, pelos
piedosos, pelos puros de coração, por aqueles que trabalham pela paz, pelos
perseguidos por causa do nome de Cristo, porque “deles será o reino dos Céus”
(cf. Mt 5,1-11).
Fazemos esta exortação porque a América Latina é o “continente da
esperança”, porque para ela esperam-se novos modelos de desenvolvimento que
conjuguem tradição cristã e progresso civil, justiça e igualdade com
reconciliação, desenvolvimento científico e tecnológico com sabedoria humana.
Sofrimento fecundo com alegria esperançosa. É possível tutelar esta esperança
somente com grandes doses de verdade e de amor, fundamentos de toda realidade,
motores revolucionários de uma autêntica vida nova.
Depositemos estas realidades e desejos no altar como dom agradável
a Deus. Implorando o Seu Perdão e confiando em Sua misericórdia, celebramos o
sacrifício e a vitória pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é o único
Senhor, o “libertador” de todas as nossas escravidões e misérias derivadas do
pecado. Ele nos chama a viver a verdadeira vida, uma vida mais humana, uma
convivência como Filhos e irmãos, já abertas as portas “da nova terra e dos
novos céus” (Ap 21,1). Imploremos a Santíssima Virgem Maria, em sua vocação
guadalupana – a Mãe de Deus, a Rainha, a minha Senhora, a minha jovenzinha, a
minha pequena, como a chamou San Juan Diego, e com todos os apelativos amorosos
com os quais se dirigem a Ela na piedade popular – para que continue a
acompanhar, ajudar e proteger os nossos povos. E para que conduza, por mão,
todos os filhos que peregrinam nessas terras ao encontro de seu Filho, Jesus
Cristo, Nosso Senhor, presente na Igreja, em sua sacralidade, e especialmente
na Eucaristia, presente no tesouro de sua Palavra e ensinamentos, presente no
santo povo fiel de Deus, naqueles que sofrem e nos humildes de coração. Assim
seja. Amém!"
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