Ao presidir a missa da vigília de Natal, na noite desta
quarta-feira, 24 de dezembro, na Basílica de S. Pedro, o papa Francisco disse
que "é grande a necessidade que o mundo tem de ternura". Leia, na
íntegra, a homilia do papa.
«O povo que andava nas trevas viu uma grande
luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9, 1). «Um
anjo do Senhor apareceu [aos pastores], e a glória do Senhor refulgiu em volta
deles» (Lc 2, 9). É
assim que a Liturgia desta santa noite de Natal nos apresenta o nascimento do
Salvador: como luz que penetra e dissolve a mais densa escuridão. A presença do
Senhor no meio do seu povo cancela o peso da derrota e a tristeza da escravidão
e restabelece o júbilo e a alegria.
Também nós, nesta noite abençoada, viemos à casa de Deus
atravessando as trevas que envolvem a terra, mas guiados pela chama da fé que
ilumina os nossos passos e animados pela esperança de encontrar a «grande luz».
Abrindo o nosso coração, temos, também nós, a possibilidade de contemplar o
milagre daquele menino-sol que, surgindo do alto, ilumina o horizonte.
A origem das trevas que envolvem o mundo perde-se
na noite dos tempos. Pensemos no obscuro momento em que foi cometido o primeiro
crime da humanidade, quando a mão de Caim, cego pela inveja, feriu de morte o
irmão Abel (cf. Gn 4,
8). Assim, o curso dos séculos tem sido marcado por violências, guerras, ódio,
prepotência. Mas Deus, que havia posto suas expectativas no homem feito à sua
imagem e semelhança, esperava. Deus esperava. O tempo de espera fez-se tão
longo que a certo momento, quiçá, deveria renunciar; mas Ele não podia
renunciar, não podia negar-Se a Si mesmo (cf. 2 Tm 2, 13). Por isso, continuou a esperar
pacientemente face à corrupção de homens e povos. A paciência de Deus... Como é
difícil compreender isto: a paciência de Deus para conosco!
Ao longo do caminho da história, a luz que rasga a escuridão
revela-nos que Deus é Pai e que a sua paciente fidelidade é mais forte do que
as trevas e do que a corrupção. Nisto consiste o anúncio da noite de Natal.
Deus não conhece a explosão de ira nem a impaciência; permanece lá, como o pai
da parábola do filho pródigo, à espera de vislumbrar ao longe o regresso do
filho perdido; e todos os dias, com paciência. A paciência de Deus!
A profecia de Isaías anuncia a aurora de uma
luz imensa que rasga a escuridão. Ela nasce em Belém e é acolhida pelas mãos amorosas
de Maria, pelo afeto de José, pela maravilha dos pastores. Quando os anjos
anunciaram aos pastores o nascimento do Redentor, fizeram-no com estas
palavras: «Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e
deitado numa manjedoura» (Lc 2,
12). O «sinal» é precisamente a humildade de Deus, a humildade de Deus levada
ao extremo; é o amor com que Ele, naquela noite, assumiu a nossa fragilidade, o
nosso sofrimento, as nossas angústias, os nossos desejos e as nossas
limitações. A mensagem que todos esperavam, que todos procuravam nas
profundezas da própria alma, mais não era que a ternura de Deus: Deus que nos
fixa com olhos cheios de afeto, que aceita a nossa miséria, Deus enamorado da
nossa pequenez.
Nesta noite santa, ao mesmo tempo que contemplamos o Menino Jesus
recém-nascido e reclinado numa manjedoura, somos convidados a refletir. Como
acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou
impeço-Lhe de aproximar-Se? «Oh não, eu procuro o Senhor!» – poderíamos
replicar. Porém a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja
Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente das suas carícias.
Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a
Deus que me queira bem?
E ainda: temos a coragem de acolher, com ternura, as situações
difíceis e os problemas de quem vive ao nosso lado, ou preferimos as soluções
impessoais, talvez eficientes mas desprovidas do calor do Evangelho? Quão
grande é a necessidade que o mundo tem hoje de ternura! Paciência de Deus,
proximidade de Deus, ternura de Deus.
A resposta do cristão não pode ser diferente da que Deus dá à
nossa pequenez. A vida deve ser enfrentada com bondade, com mansidão. Quando
nos damos conta de que Deus Se enamorou da nossa pequenez, de que Ele mesmo Se
faz pequeno para melhor nos encontrar, não podemos deixar de Lhe abrir o nosso
coração pedindo-Lhe: «Senhor, ajudai-me a ser como Vós, concedei-me a graça da
ternura nas circunstâncias mais duras da vida, dai-me a graça de me aproximar
ao ver qualquer necessidade, a graça da mansidão em qualquer conflito».
Queridos irmãos e irmãs, nesta noite santa,
contemplamos o presépio: nele, «o povo que andava nas trevas viu uma grande
luz» (Is 9, 1).
Viram-na as pessoas simples, as pessoas dispostas a acolher o dom de Deus. Pelo
contrário, não a viram os arrogantes, os soberbos, aqueles que estabelecem as
leis segundo os próprios critérios pessoais, aqueles que assumem atitudes de
fechamento. Contemplemos o presépio e façamos este pedido à Virgem Mãe: «Ó
Maria, mostrai-nos Jesus!»
Fonte: CNBB
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